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História

  

 

   A toxicidade do arsénio é conhecida há séculos, no entanto, continua-se a estudar ativamente o impacto que a exposição a este metalóide pode ter na saúde humana, especialmente em níveis baixos e a longo prazo, de forma a compreender os mecanismos de toxicidade e prevenir possíveis intoxicações [1].  

   Na Idade Média, o arsénio ganhou notoriedade pelo seu uso – bastante eficaz e frequente - em homicídios e suicídios. O arsénio ficou conhecido como o "rei dos venenos" e "o veneno dos reis", pela sua potência e a forma discreta como podia ser administrado, particularmente com a intenção de matar personalidades importantes durante a Idade Média e o Renascimento. Napoleão Bonaparte morre em 1851 presumivelmente envenenado por arsénio [1].  

   

 

        

 

 

 

   

 

    Teste de Marsh

 

   Os primeiros testes para detetar o arsénio foram introduzidos em meados de 1700, não havendo por muito tempo um método analítico fiável para a sua quantificação nos tecidos [13]. Nessa altura, utilizava-se o teste de Hahnemann que consistia na precipitação do arsénio sob a forma de um composto amarelo, o trissulfeto de arsénio (As2S3). Contudo, havia frequentemente coprecipitação de outras substâncias, o que mascarava a presença de arsénio e tornava os resultados ambíguos [2].

   Em 1832 James Marsh, um químico britânico, frustrado com a falibilidade do teste de Hahnemann, decide melhorá-lo. O novo método desenvolvido por Marsh foi utilizado pela primeira vez no julgamento de Marie LaFarge na França em 1840, no qual LaFarge era acusada de envenenar o marido com bolos envenenados com arsénio [1,2].

   O teste consistia na mistura da amostra de interesse com um pedaço de zinco e ácido sulfúrico (garantia-se previamente que os reagentes não tinham qualquer vestígio de arsénio) e, se a amostra contivesse arsénio gerava-se uma mistura de gases inflamáveis, H2 e H3As, produzindo-se uma chama que ao contactar com um prato de cerâmica vidrada, levava à formação de um depósito prateado [2].

   Este método representou um ponto de viragem na deteção e quantificação do arsénio e o começo do fim das intoxicações e envenenamentos. Era considerado muito sensível naquele época, detetando o veneno em quantidades tão baixas quanto 0,02 mg [1,2].  
   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    O arsénio pode ter benefícios?

 

   Apesar da sua toxicidade, ou talvez por causa dela, o arsénio já foi usado para tratar determinadas doenças. São conhecidos casos em que foi usado “terapeuticamente” por volta de 2000 A.C. Também Hipócrates, o pai da Medicina, terá usado uma pasta de arsénio no tratamento de úlceras e abcessos [1].

   Embora o arsénio tenha sido usado ao longo da História, a documentação detalhada acerca do seu interesse medicinal data do final do século XVIII [1]. A seguir, apresenta-se algumas das utilizações do arsénio na medicina:

 

  • A solução de Fowler, descoberta em 1786, é uma solução de arsenito de potássio a 1% e foi usada no tratamento de várias doenças, incluindo a malária, sífilis, asma, coreia, eczema e psoríase [1].

  • Em 1878, verificou-se que a solução de Fowler poderia ser eficaz na diminuição do número de glóbulos brancos em doentes com leucemia. A utilização desta solução desapareceu ao longo do tempo devido à sua toxicidade evidente, mas uma compreensão mais detalhada do mecanismo ação do arsénio permitiu que o trióxido de arsénio emergisse como um medicamento eficaz no tratamento da leucemia promielocítica aguda (LPA). Os bons resultados obtidos com este fármaco têm impelido ao estudo do seu emprego no tratamento de outros tipos de cancro [1].

 

 

Figura 3: Aparato original de Marsh (publicado pela primeira vez em 1836) [2].

Figura 2: Reprodução do aparato de Marsh (coleção de Jensen-Thomas) [2].

Figura 4: Trisenox®. O Trisenox® foi aprovado pela Food and Drug Administrationa (FDA) em 2000 e está indicado, como terapêutica de 2ªlinha, para o tratamento da leucemia promielocítica aguda refratária, ou recidivante, à quimioterapia com antraciclinas e retinóides, e cuja LPA é caracterizada pela presença da translocação t (15; 17) ou a expressão do gene PML/RAR-alfa. O seu mecanismo de ação ainda não está completamente estabelecido [3,4].

   Assim, até meados da década de 1850, o arsénio permaneceu um veneno popular por várias razões: era muito acessível e, sendo inodoro e insípido, não era detetável nos alimentos e bebidas, o que simplificava a sua administração. Além disso, os sintomas mais visíveis do envenenamento agudo por arsénio - náuseas, vómitos, diarreia e dor abdominal - podiam ser facilmente confundidos com outras doenças comuns naquele tempo (por exemplo, cólera e pneumonia) [1].

 

  Embora as histórias de assassinato parecessem não ter grande interesse para o público em geral, essas mortes contribuíram para aprofundar o conhecimento toxicológico do arsénio (os efeitos agudos do arsénio e os órgãos alvo ficaram conhecidos através de autópsias). Estes casos precipitaram ainda o desenvolvimento de métodos analíticos para diferentes espécimes, incluindo amostras biológicas, o que conduziu a um aumento da compreensão do metabolismo de arsénio [1].

Figura 1: Vítimas da moda da Era Vitoriana.  “The Arsenic Waltz”, Etching (1862).

  • Antman relata, em textos datados de 1880, o uso de pastas arsenicais no cancro da pele e da mama [1].

  • Em 1910, Paul Ehrlich apresentou um novo fármaco baseado no arsénio, o Salvarsan (conhecido como "bala mágica"). O Salvarsan era usado no tratamento da sífilis, até a penicilina se tornar o fármaco de eleição na década de 1940 [1].

Referências:

[1] Hughes, Michael F., et al. "Arsenic exposure and toxicology: a historical perspective." Toxicological Sciences 123.2 (2011): 305-332.

[2] Jensen, B. W. "The Marsh Test for Arsenic." Notes from the Oesper Collections May/June (2014).

[3] List, A., et al. "Opportunities for Trisenox® (arsenic trioxide) in the treatment of myelodysplastic syndromes." Leukemia 17.8 (2003): 1499-1507.

[4] Aprovação do Trisenox®: http://www.centerwatch.com/drug-information/fda-approved-drugs/drug/643/trisenox-arsenic-trioxide

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