Arsénio
Toxicidade
A Agência para Substâncias Tóxicas e Registo de Doenças (ATSDR – Agency for Toxic Substances and Disease Registry) elabora uma lista a cada dois anos, feita em conjunto com a EPA (Environmental Protection Agency), em que estão presentes por ordem de prioridade as substâncias que constituem as potenciais ameaças para a saúde humana, devido à sua toxicidade conhecida ou potencial toxicidade e ao risco de exposição humana. Deste modo, esta lista prioritária não diz respeito às substâncias mais tóxicas, mas antes se baseia na combinação da frequência, toxicidade e potencial exposição humana das substâncias. De acordo com esta lista (2015), o arsénio é a 1ª substância prioritária, seguido do chumbo e do mercúrio [15].
Mecanismos de toxicidade
A toxicidade e carcinogenicidade associada ao arsénio ainda não é completamente conhecida bioquimicamente. Vários mecanismos responsáveis pela carcinogénese induzida por estes compostos têm sido propostos, envolvendo stress oxidativo, danos no genoma (genotoxicidade), anomalias cromossómicas e a combinação com outros agentes tóxicos ambientais. Mecanismos epigenéticos, em particular, alteram a metilação do ADN [11].
Stress oxidativo
Estudos mecanísticos de toxicidade sugerem o papel da geração de espécies reativas de oxigénio na toxicidade do arsénio inorgânico, havendo um aumento da peroxidação lipídica, da produção de superóxido, a formação de radicais hidroxilo, grupos sulfidrilo não proteicos e/ou danos no ADN induzida por oxidação. A redução da atividade da glutationa, resultante do tratamento com depletores desta proteína, aumenta a sensibilidade das células e a morte celular.
O stress oxidativo induzido pela inalação de arsénio predispõe o pulmão a danos oxidativos e altera a expressão de genes e proteínas envolvidos no stress oxidativo e inflamação quando a exposição a baixas doses é crónica [11].
Genotoxicidade
Alterações na metilação do ADN
A associação entre a carcinogénese induzida pelo arsénio e a interferência na normal metilação do ADN deve-se ao facto de em ambas as situações a metilação ser feita pelo mesmo dador de grupos metilo, a S-adenosilmetionina (SAM). Uma vez que a SAM é a única enzima a metilar o arsénio em cada "ciclo reacional", a exposição prolongada a este metalóide pode levar a uma insuficiência nesta coenzima e a uma hipometilação global do ADN. A síntese de SAM requer metionina, um aminoácido essencial, que não estando presente na dieta em quantidades suficientes pode potenciar essa redução na metilação do ADN (ter em conta que a exposição ao arsénio ocorre muitas vezes em populações relativamente pobres que podem não ingerir metionina suficiente) [16].
Para além do seu efeito sobre a disponibilidade da SAM, o arsénio pode interagir diretamente com DNA metiltransferases (DNMTs) e inibir a sua atividade. Vários estudos têm demonstrado que a exposição ao arsénio conduz a uma redução dependente da dose de mRNA codificante e da atividade de DNMTs (DNMT1, DNMT3A, e DNMT3B) tanto in vitro e como in vivo [16].
AS3MT - A influência do polimorfismo genético na toxicidade
A variabilidade entre indivíduos e populações quanto à forma de metabolizar o arsénio inorgânico conduz à formação de metabolitos em diferentes percentagens. As distribuições relativas de arsénio inorgânico, MMA e DMA na urina de várias populações são geralmente de 10-30%, 10-20% e 60-70%, respetivamente, o que pode influenciar o tipo e a extensão dos efeitos adversos [17].
A biometilação, para além de estar relacionada com fatores biológicos e ambientais como sexo, idade, gravidez, tabagismo, nível de exposição ao arsénio e estado nutricional, é condicionada pelo polimorfismo genético de uma enzima chave, a metiltransferase do As(III) - AS3MT. A AS3MT catalisa a transferência de um grupo metilo da S-adenosil-metionina para o arsenito e tem sido a enzima mais estudada pelos inúmeros genótipos, locais de variabilidade no genoma e SNPs (Single Nucleotide Polymorphisms) que pode apresentar [17].
Determinadas variações no gene AS3MT já foram associadas a um maior risco de desenvolver diabetes, aquando da ingestão de água contaminada com arsénio inorgânico, e a disfunção cognitiva em algumas populações [18,19].
Fatores de crescimento elevados
Concentrações elevadas de fatores de crescimento podem promover o crescimento descontrolado de células cancerosas. A exposição ao arsénio altera o equilíbrio entre os mecanismos de morte e regeneração celular, conduzindo à proliferação celular e à formação de tumores [11].
Ensaios de genotoxicidade realizados in vitro e in vivo demonstraram que os compostos derivados do arsénio causam inúmeros danos no ADN: formação de locais apurínicos/apirimidínicos, danos oxidativos, ligações cruzadas ADN-proteína, aberrações cromossómicas, etc [11].
MMA(III) e DMA(III) são diretamente genotóxicos e muitas vezes mais potentes do que o arsenito a induzir danos no ADN. A genotoxicidade induzida por arsénio pode envolver agentes oxidantes ou radicais livres [11].
Figura 9: Etapas intermédias da síntese de SAM e o seu envolvimento na metilação do ADN e do arsénio [16].
AS3MT = Metiltransferase do arsénio (estado de oxidação +3)
ATP = Adenosina-5’-trifosfato
MAT1A = Metionina adenosiltransferase I;
MTR = 5-metiltetrahidrofolato -homocisteína metiltransferase
PPP = Tripolifosfato
Figura 8: O stress oxidativo é considerado o mecanismo central da carcinogénese induzida por arsénio. Os mecanismos exatos da formação de espécies reativas de oxigénio ainda não são conhecidos, mas podem envolver a formação de radicais hidroxilo. A mitocôndria é apontada como principal organelo alvo, nela provocando o arsénio inativação de enzimas e perda do potencial de membrana. O arsenito provocará um desvio de eletrões da cadeia respiratória, facilitando a formação do radical superóxido [27].
Referências
[11] Toxicological Profile For Arsenic. U.S. Department Of Health And Human Services. Public Health Service Agency for Toxic Substances and Disease Registry (August 2007). Disponível em: http://www.atsdr.cdc.gov/toxprofiles/tp2.pdf
[15] The Priority List of Hazardous Substances That Will Be the Candidates for Toxicological Profiles. The ATSDR 2015 Substance Priority List. Disponível em: http://www.atsdr.cdc.gov/spl/
[16] Ren, Xuefeng, et al. "An emerging role for epigenetic dysregulation in arsenic toxicity and carcinogenesis."Environmental health perspectives 119.1 (2011): 11.
[17] Agusa, Tetsuro, et al. "Individual variations in inorganic arsenic metabolism associated with AS3MT genetic polymorphisms." International journal of molecular sciences 12.4 (2011): 2351-2382.
[18] Drobná, Zuzana, et al. "Environmental exposure to arsenic, AS3MT polymorphism and prevalence of diabetes in Mexico." Journal of Exposure Science and Environmental Epidemiology 23.2 (2013): 151-155.
[19] Edwards, Melissa, et al. "Arsenic exposure, AS3MT polymorphism, and neuropsychological functioning among rural dwelling adults and elders: a cross-sectional study." Environmental Health 13.1 (2014): 1-7.
[27] Henkler, Frank, Joep Brinkmann, and Andreas Luch. "The role of oxidative stress in carcinogenesis induced by metals and xenobiotics." Cancers 2.2 (2010): 376-396.